é crime

Suposto caso de homofobia na UFSM é investigado pela polícia

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Dentro de um restaurante, um cliente não tolera a demora de um pedido e desfere para o garçom que pede calma: seu veadinho. Entre servidores de uma universidade, a sexualidade de um professor teria sido usada como argumento para xingá-lo. 

No país que travou uma recente e resistente luta para criminalizar a homofobia, os fatos que acontecem em Santa Maria são um recorte de dezenas ou centenas de casos que, não raro, acabam sendo naturalizados no cotidiano, em ambientes de trabalho ou dentro de estádios. Preocupa, que uma boa parcela acaba invisibilizada por conta do receio ou da desinformação em fazer o registro de ocorrência junto à polícia. O que aconteceu nos dias nos 2 e 12 de fevereiro, gerou grande repercussão e revolta nas redes sociais. Porém, o desdobramento, desses fatos, conforme argumenta a Débora Dias, titular da Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância (DPICOI), necessita extrapolar o meio virtual e alcançar o campo comportamental de uma sociedade que tem muito a evoluir, respeitar e conviver com a diversidade.

- Infelizmente, percebo que estamos em um momento em que as pessoas estão se sentindo respaldadas para manifestar preconceito, desrespeito e discriminação. Estamos em 2022 e  ainda temos essas manifestações que fomentam crimes de intolerância. No último ano, tem chegado mais ocorrências (na delegacia), e isso é muito importante. Na medida do possível, tentamos dar respostas mais imediatas e ouvir as vítimas para saberem o que têm a dizer e também o porquê desse comportamento (dos agressores) - explica Débora.

A delegada chama a atenção para importância de denunciar casos de homofobia, bem como apresentar testemunhas para que a investigação seja a mais completa possível. Após a finalização do inquérito, se a polícia entender que houve crime, o suspeito é indiciado e a investigação encaminhada à Justiça.

- A ocorrência também pode ser feita online, mas temos em Santa Maria é a única delegacia de Combate à Intolerância no Interior do Estado. Já ouvi muita coisa na delegacia, do tipo " eu vou te bater até tu virar homem" Tudo isso são manifestações homofóbicas, é um dolo que é criminalizado. É preciso acabar com o alguns tipos de piadas , como as piadas machistas que por muitos anos as mulheres ouviram - acrescenta a delegada.

Até a última quinta-feira, o caso que aconteceu no restaurante não havia chegado à polícia. Já os fatos ocorridos na universidade estavam sendo investigados. 

OS CASOS

2 DE FEVEREIRO DE 2022: NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Pedro Piegas (Diário)
Incidente aconteceu dentro do Centro de Educação Física e Desportos da UFSM

Após um suposto crime de homofobia, que teria acontecido envolvendo dois professores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), nas dependências da instituição, a Polícia Civil investiga o caso. No mesmo dia do fato, 2 de fevereiro, a vítima teria prestado boletim de ocorrência na Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância (DPICOI). O inquérito já foi instaurado. Além das partes envolvidas, outras testemunhas devem ser ouvidas. Segundo a delegada DÉbora Dias, agressor e vítima ainda não foram ouvidos. Um dos depoimentos está marcado para a próxima sexta-feira.

Uma denúncia também foi feita à Comissão Permanente de Sindicância e Inquérito Administrativo (Copsia). No dia 9 de fevereiro, a reportagem tentou contato com a ouvidoria da instituição, mas o órgão alegou não poder passar quaisquer informações sobre o caso de modo de não quebrar o sigilo das partes.

Nem Polícia Civil nem a Ouvidoria forneceram o contato do suposto agressor ou algum advogado que o represente. No dia 8 de fevereiro, o diretor do Centro de Educação Física e Desportos da UFSM (CEFD/UFSM), local onde aconteceu o fato, emitiu uma nota de repúdio e solidariedade ao professor ofendido, que foi publicada no site da universidade.

NOTA DE REPÚDIO do CEFD

"A Direção do Centro de Educação Física e Desportos da UFSM (CEFD/UFSM) vem a público declarar seu incondicional apoio ao professor Gustavo Duarte, atual Vice-Diretor, o qual foi vítima de agressão verbal de conteúdo homofóbico, por parte de um colega docente nas dependências do Centro de Educação Física e Desporto (CEFD) da UFSM no dia 02 de fevereiro de 2022. O professor Gustavo atua nos Cursos de Dança, Educação Física e no Mestrado em Gerontologia, justamente com as temáticas de Gênero e Sexualidade. A Direção do CEFD compreende o espaço universitário como plural e diverso, portanto, é inconcebível quaisquer discriminações e/ou violência verbal ou física, dentro ou fora da UFSM, principalmente no ambiente de trabalho do referido professor. Neste sentido convidamos a comunidade acadêmica do CEFD a refletir, denunciar e repudiar atos de violência homofóbicos e/ou discriminatórios de qualquer natureza. A UFSM acaba de aprovar sua Política de Gênero, como área de conhecimento, exatamente para acompanhar os movimentos da sociedade e para posicionar-se às agressões sofridas dentro do espaço da Universidade. Quando atos de violência ou agressão partem de um professor, a questão torna-se ainda mais relevante pois este deveriam resguardar o respeito à diversidade, aos Direitos Humanos e à pluralidade de pensamento. No Plano de Integridade da UFSM (2019) constam os seguintes valores: ética, Justiça, Respeito à Identidade, Compromisso Social, Inovação e Responsabilidade". A Política de Igualdade de Gênero da UFSM (2021) destaca como princípio: o "respeito incondicional à diversidade sexual e de gênero". A violência, em suas múltiplas dimensões, ampara-se principalmente no ambiente de medo e insegurança sentido pelas vítimas no ato de denunciar, na disparidade das relações de poder, na distribuição desigual de recursos simbólicos e de segurança institucional e na cultura que naturaliza o poder de quem agride - como aquele que pode agir à revelia da ética pública e do convívio social. Dado o exposto, a Direção do CEFD demonstra seu apoio ao professor Gustavo Duarte e se sensibiliza às causas do Movimento LGBTQIA+ no CEFD e na UFSM. Que este caso não se repita e que as medidas legais sejam tomadas e cumpridas"

Rosalvo Sawitzki, Diretor do CEFD/UFSM

ENTREVISTA

"E QUANDO O ATESTADO ACABAR, VOLTAREI A CONVIVER COM ESTE COLEGA NO MESMO PRÉDIOE SE ELE ME AGREDIR OU PERSEGUIR", QUESTIONA PROFESSOR DA UFSM

Gustavo Duarte, 46 anos, é professor do Curso de Dança e vice-Diretor do Centro de Educação Física e Desportos de Federal de Santa Maria (UFSM). No dia 2 de fevereiro, ele se dirigia para uma lancheria que fica dentro da universidade quando disse ter sofrido ataques homofóbicos por um colega. Confira a entrevista:

Diário _ O senhor relata que foi agredido verbalmente no ambiente de trabalho? Como isso aconteceu?

Gustavo Duarte _ Depois de dar um "bom dia" ao passar pelo corredor do térreo, a caminho da lancheria onde iria buscar um café, passei por um colega da Educação Física, o mesmo me retribuiu com xingamentos e palavras de baixo calão, de cunho e teor homofóbico, preconceituoso... fiquei chocado, sem reação, e entrei na lancheria para me proteger de uma possível agressão física, fiquei muito assustado, fiquei calado, não reagi, tamanha a falta de respeito e a agressividade com que as palavras foram ditas.

Diário _Que providências o senhor tomou?

Gustavo _ Imediatamente registrei denúncia na Ouvidoria da UFSM, depois registrei boletim de ocorrência na delegacia e, por último, contratei advogado para exigir justiça pela agressão que sofri, não somente por mim, mas por toda a causa LGBTTQIA+, pelos que vieram antes e para que os próximos não se calem frente às violências de gênero e sexualidade. Homofobia é crime. Informei às estruturas administrativas do meu Centro, o CEFD, e ao Observatório de Direitos Humanos (ODH) da UFSM, o qual recém implantou a Política de Gênero da UFSM. Aguardo encaminhamentos.

Diário_ Já havia passado por situações semelhantes. Quais?

Gustavo _Eu trabalho e pesquiso na área de Gênero e Sexualidade na Educação, na Graduação e na Pós-graduação, faço formação com professores nas escolas e com profissionais da Saúde na comunidade. Nunca tive problemas nem sofri qualquer tipo de agressão física ou verbal.Procuro tratar todo ser humano com respeito e ética profissional em todos os espaços, sobretudo dentro da UFSM, como servidor público que sou.

Diário _ Suas atividades profissionais e pessoais tiveram alguma mudança desde o fato?

Gustavo _ Infelizmente sim: fiquei muito abalado e com medo, por isso procurei auxílio psicológico e médico. Estou em acompanhamento terapêutico com psicólogo e com medicações de psiquiatra. Estou em atestado por 15 dias.

Diário _ E a partir de agora. O senhor pretende tomar alguma outra atitude?

Gustavo _ Sinceramente estou preocupado: e quando o atestado acabar? Voltarei a conviver com este colega no mesmo prédio e se ele me agredir ou perseguir? Que segurança terei? No momento estou aguardando e confiando na justiça e nos encaminhamentos tanto dentro como fora da UFSM. Estou recebendo vários apoios de diferentes setores da sociedade, o que me dá forças para continuar lutando não somente por mim, mas por toda a causa LGBTTQIA+.

Diário _A agressão impactou além de uma ofensa pessoal?

Gustavo _ A agressão não foi somente a mim, também foi para todos/as àqueles/as que se sentem discriminados pela sua expressão de gênero e pela orientação sexual. No Brasil, historicamente essa população é a que mais sofre com diferentes tipos de preconceitos e violências de toda a ordem, diariamente, em diferentes espaços. Muitos não denunciam por medo ou vergonha, e os agressores continuam a fazer vítimas. Violência de gênero afeta diretamente a saúde mental das pessoas. É preciso acolher e respeitar todas as pessoas que devem denunciar tamanho abuso e clamar por justiça, por segurança. É preciso aumentar a conscientização e não banalizar a violência. Direitos sexuais são Direitos Humanos, precisamos lembrar disso a todo o momento no Brasil e, sobretudo, no Interior do RS.

12 DE FEVEREIRO DE 2022: DENTRO DO RESTAURANTE

A atitude de um cliente de um restaurante de comida japonesa, de Santa Maria, teria resultado em uma agressão verbal e homofóbica contra um garçom. O cliente, que havia feito o pedido para levar a comida para casa, teria ofendido funcionários do estabelecimento por conta da demora no atendimento. Após o incidente, a resposta do restaurante, por meio de uma nota viralizou nas redes sociais. O post da página de Instagram e Facebook do Costa Dourada rendeu centenas de compartilhamentos comentários de apoio ao estabelecimento e ao funcionário que teria sido ofendido. No post, o proprietário diz estar aberto a críticas e opiniões, mas sem violência com qualquer pessoa e que "só não é bem-vindo quem prefere agredir, ofender e violentar aqueles à sua volta".

_ No sábado eu não estava no restaurante. Minha esposa me acordou contando que tinha um cliente que estava querendo entrar na cozinha, exaltado. As gurias do caixa relataram que o pedido atrasou e quando chamaram o outro funcionário ele começou a dizer: sai daí seu veadinho, Sua bichinha e a coisa foi ficando pesada". Depois, ele tentou empurrar a porta para uma das meninas e chamar o funcionário (que sofreu agressões homofóbicas) lá fora. Quando cheguei, a equipe estava toda chorando e foi traumático _ relata o proprietário do Costa Dourada, Wagner Barreto.

Após contato com o setor e jurídico do restaurante, e levando em consideração um histórico de questões pessoais do cliente, optou-se por não fazer o registro de ocorrência junto à delegacia. O proprietário disse, contudo, que as agressões não são justificáveis e que irá apoiar qualquer decisão do funcionário.

O garçom de 28 anos, que não quis ter o nome divulgado, se limitou a dizer que ainda não se sente à vontade para falar sobre o assunto e sente constrangimento. Também acrescentou que está decidido a fazer o registro de ocorrência, já que não é a primeira vez que passa por situações em que é vítima de atos homofóbicos.

NOTA DE REPÚDIO DO RESTAURANTE COSTA DOURADA

O restaurante Costa Dourada e seu proprietário Wagner vêm manifestar o seu repúdio em decorrência das atitudes homofóbicas e violentas de um cliente para com os atendentes do restaurante. Na noite deste sábado, um cliente insatisfeito com a velocidade do atendimento agrediu verbalmente nossos colaboradores, inclusive com ofensas homofóbicas. Como qualquer empresa, estamos sempre abertos a críticas, reclamações e sugestões vindas dos clientes, mas nada justifica a violência, seja ela física ou verbal, com qualquer pessoa. Reiteramos que o nosso restaurante é um espaço aberto a todas as pessoas, independentemente de raça, gênero, orientação sexual e religião. Só não é bem-vindo quem prefere agredir, ofender e violentar aqueles à sua volta. Dito isso, todas as providências que esse caso pede estão sendo tomadas. Convidamos a todos a continuarem construindo conosco uma comunidade unida, que se respeita e se ajuda.
Wagner Barreto, proprietário do Restaurante Costa Dourada

HOMOFOBIA É CRIME

Em junho de 2019, o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, determinando que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo. A punição é por praticar, induzir, ou incitar a discriminação ou preconceito em razão da orientação sexual de qualquer pessoa. A pena pode chegar a 5 anos em casos mais graves, com divulgação ampla em meios de comunicação e redes sociais.

Injúria discriminatória, que é mais frequente, se relaciona ofensas quanto à orientação sexual e identidade de gênero e está prevista no artigo 140 do Código Penal e define por "injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (...)". Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, a pena de detenção pode ser aplicada de três meses a um ano, e multa.

DENUNCIE

Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância (DPICOI)

  • Rua General Neto, 581, das 8h30min ao meio-dia, das 13h30min às 18h
  • Fone - (55) 3217-1440

Centro Integrado de Operação de Segurança Pública (Ciosp) de Santa Maria

  • Avenida Medianeira, 81 (24 horas por dia, nos 7 dias da semana)

Disque Direitos Humanos -Disque 100 (gratuito, funciona 24 horas por dia, nos 7 dias da semana)

Polícia Civil - 197

Denúncias online - No site da Polícia Civil: pc.rs.gov.br, na aba delegacia online

*Colaborou Gabriel Marques

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